Ouvir uma melodia
é ouvir o tempo
e ouvir com o ouvido
que ouviu o tempo
Ouvir a música de um filme de Hollywood
é voltar a ouvir com o ouvido do meu pai
quando vivo ou no tempo
e concomitantemente no espaço
Ouvir uma música antiga
é ouvir com o aparelho auditivo do outro
com outro ouvido
outra audição
outra conotação e denotação
evocar o ritmo do batuque sonoro
o bater e desenhar das ondas senoidais
nos ossos de outro ouvido
a tremer e dançar
ao som dos ossos em percussão
- dos osso do ouvido : o martelo e a bigorna
a tamborilar o som
que tocou o ouvido
de alguém que já morreu
passou pela tragédia existencial
ouvir pelo fonógrafo
que é o tempo
inventado pelo homem
no aparelho fonográfico
é escutar meu pai
ouvir meu pai de novo
- ele, meu progenitor, a ouvir
num tempo desenhado
pelos inventores de época
os quais desenharam o telefone
que era mais um móvel elegante
que um medidor de tempo
Ouço meu pai preso no retrato
movendo poeiras engasgadas no vento
a emitir sons roufenhos
oriundos do fonógrafo belamente desenhado e esculpido
- escultor do tempo
Rodin com as mãos e encéfalo no tempo
plasmando o espaço
e parando o tempo na pedra
ou em outro substrato material
preparando um acervo de energia
para depois da morte
da mesma maneira que o corpo vivo
estoca gordura para necessidade premente
para alguma súbita demanda de energia
O homem emoldura o tempo
em cada quadro impressionista
desenha-o minuciosamente em cada relógio
com carrilhão ou cuco
e e cada daguerrótipo
com o qual também
fabrica o próprio tempo
- e meu pai continua na teia do tempo
a consertar relógios
e a ouvir por meus ouvidos
que vai ou continua pelos tempos
na travessia dos quais sigo
o caminho que escrevo com pés
e com as mãos plantando bananeiras
quando escrevo
- com pena de mim!
em auto-comiseração
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